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16/07/1963 – T

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Quinta Palestra em Saanen

Gostaria, esta manhã, de falar sobre várias coisas, mas, antes de entrar no assunto, acho importante entender como se deve escutar. Tenho falado com frequência sobre o escutar, e aqueles dentre vocês que estão ouvindo isso pela décima vez podem pensar que estou apenas me repetindo. Mas, para mim, não há repetição nestes assuntos. Se eu me pegasse me repetindo, isso seria terrivelmente maçante para mim. Para mim, o que está sendo dito nunca é uma repetição. Trata-se de algo que toda vez a pessoa descobre de novo. É como a primavera. A pessoa já viu muitas e muitas primaveras, mas cada vez ela é diferente. Cada vez a folha nova tem uma cor algo diferente, uma maciez diferente, um movimento diferente. Do mesmo modo, quando falo de todas essas coisas, não há, de modo algum, repetição. Toda vez descobre-se algo fresco, totalmente novo.

Portanto, gostaria de falar sobre o escutar, pois parece-me que no escutar não há esforço algum. Há esforço somente se você não compreender a linguagem, as palavras que estão sendo usadas. Quando você tenta escutar, tenta acompanhar o que diz o orador; quando você tenta concentrar-se, colocar nisso toda a sua mente, isso o impede de escutar. Escutar implica que não há nenhuma contradição interior; não há tentativa de fazer algo, nenhum esforço de captar ou entender algo; você apenas escuta, sem esforço, com uma atenção que não exige concentração. E o que eu vou falar requer atenção profunda – não apenas escutar pelos ouvidos, mas escutar com extraordinária profundidade. Se você puder escutar dessa maneira, descobrirá que compreendeu por si mesmo grande número de coisas, e, no ato mesmo de escutar, a natureza da ação é modificada. Porque escutar é uma ação. Não é algo separado da atividade diária. Inclui escutar sua esposa ou seu marido, seus filhos, seu vizinho, os ruídos, todas as coisas feias que acontecem na vida, todas as brutalidades, as palavras de crueldade, as palavras de prazer e de dor. E você descobrirá que, nesse ato de escutar, está havendo uma mutação na própria natureza da ação.

Esta manhã quero falar do medo e do amor, e se é possível ficar totalmente livre do medo. Se, bem fundo no inconsciente, na própria raiz da consciência, houver algum elemento, sombra ou escuridade de medo, todo o nosso pensamento, toda a nossa atividade se perverte, levando a várias formas de auto contradição, a um estado mental neurótico.

Agora, a maioria de nós está buscando preenchimento, quer na família, no relacionamento, ou em algum tipo de ação ou de auto expressão. Preencher-nos em alguma coisa tornou-se extraordinariamente importante. Se não houvesse nenhum medo, não haveria necessidade de preenchimento. É a nossa constante atividade autocentrada que nos separa e traz medo, ansiedade, extraordinária solidão, senso de isolamento e, assim, exigimos preenchimento, algum tipo de auto expressão. Uma mente que não tenha nenhum tipo de medo não tem necessidade de preencher-se. Se a pessoa entende este fato, fundamentalmente, então não só não há exigência de auto preenchimento – não há tampouco frustração. Mas, para a maioria de nós, a vida é decepcionante, e, para entender todo esse processo de frustração, é preciso não só estar cônscio, mas também abrir as entranhas de cada atividade, cada pensamento, cada sentimento pelos quais estamos buscando preenchimento, tentando expressar-nos – abrir as entranhas não no sentido de reagir a essas coisas, mas de desdobrá-las tão completamente que as entendamos.

Como sabem, conhecer é diferente de conhecimento. O conhecimento é coisa do passado; é algo que alguém armazenou: conhecimento científico, conhecimento de como ler e escrever, o conhecimento que você precisa ter para montar as peças de um rádio, etc. Esse conhecimento recebe acréscimos constantemente por meio da experiência, e é inteiramente diferente de conhecer. Não acho que estou sendo demasiado meticuloso, e acho que é preciso compreender isto. Conhecer implica não acumulação. Você está atento o tempo todo, aprendendo do que está realmente acontecendo; você não conhece a coisa a partir de conhecimento prévio. Acho que é preciso compreender a diferença entre uma coisa e outra. Estar cônscio da atividade autocentrada da mente consiste em apenas vê-la, olhar para ela. Mas a pessoa olha para ela com conhecimento prévio, isto é, em termos do que já aprendeu, e esse conhecimento interpreta o que se está olhando ou escutando.

Por favor, acompanhe o que digo observando-se a si mesmo. Observe cada movimento do seu pensamento, apenas o observe, e você descobrirá de que modo o está observando: se está observando a partir do background daquilo que você já aprendeu sobre isso, ou observando num estado de descobrimento. Descobrir é olhar para algo de um modo novo, como se pela primeira vez, e você não o pode fazer se reconhecer aquilo que vê. Espero estar-me fazendo claro. No momento em que há reconhecimento no processo de observação ou de autoconhecimento, você terá trazido para sua observação o background de conhecimentos – o que significa que você já terá interpretado, traduzido, condenado ou justificado o que você vê; portanto, não está escutando o processo total disso. A coisa que você está observando, que é pensamento e todo o background do pensamento, não é uma coisa estática; ela está se movendo, está viva e, se você a observar com conhecimento prévio, estará meramente interpretando-a, não a estará descobrindo como algo novo. Portanto, você acha que não há nada de novo nisso tudo, nada mais há para aprender. Você diz: “Sei que sou ciumento”, ou “Sei que estou com medo”, o que significa que você deu nome à emoção; você a reconheceu, e então ela tornou-se parte do que você já sabe. Mas olhar para uma coisa como se você a estivesse vendo pela primeira vez – com uma mente que não interprete, que não traduza, que não queira modificar o que vê – é estar num estado de descobrimento.

Será que estou transmitindo o que quero dizer?

Como sabem, só há mutação quando a mente, o cérebro, não mais estiver buscando experiência; e, quando você começa a traduzir o que vê em termos do que já sabe, está somente dando continuidade ao ciclo de experiência. Percebo que estou confundindo vocês.

Há essa entidade complexa chamada de “eu”, com todas as suas agruras, sofrimentos, ansiedades, seu desejo de preencher-se, de vir a ser, de dominar, de ter uma posição, de ter segurança, de ser alguém, de expressar-se de modos diferentes. Esse “eu” foi formado ao longo de séculos pela estrutura psicológica da sociedade; é o resultado de pressões, influências, propaganda, tradição. Com esse “eu”, saio por aí olhando tudo que encontro e traduzindo-o correspondentemente; assim, naturalmente, penso que não há nada novo, pois tudo é sempre contaminado pelo passado.

Ao passo que a inocência é algo incontaminado, algo totalmente novo, fresco; é um estado de descobrimento no qual a mente é sempre jovem. Para descobrir isso por si mesmo, você não pode andar carregando consigo essa carga do passado. O passado deve de algum modo findar se a mente quiser descobrir aquela coisa nova, e deve findar sem esforço, sem disciplina, sem controle nem supressão. O velho não pode descobrir o novo, pois qualquer coisa que o velho experimente é uma continuação do velho. O velho pode passar por várias mudanças, porém tais mudanças são a continuação modificada da mesma coisa.

Você entende o problema? Essa entidade, o “eu”, é produto do tempo, produto de mil experiências, mil contradições, batalhas, ansiedades, é o resultado da culpa, do sofrimento, da miséria, do prazer. É resíduo do passado com todos os seus medos, e, assim, talvez não possa descobrir o novo. O novo talvez não possa ser posto em palavras; é algo incomensurável, uma energia que não tem causa, não tem fim, não tem começo; e, para a mente ficar nesse estado de criação, o velho, o “eu”, precisa findar. E como é que se faz isso?

As religiões organizadas dizem que você precisa controlar, disciplinar, treinar a si mesmo, e esperar pela graça de Deus. Na Índia, na Ásia, na Europa, isso se expressa de modos diferentes, mas tudo vem a dar no mesmo: que você precisa treinar-se, controlar-se, ser bom – você conhece todos os preceitos morais que lhe dizem para praticar – com suas várias sanções. Mandam-nos esperar, contemplar, orar, e tudo o mais.

Para mim, tudo isso é completamente ilógico, irracional; não tem sentido porque, primeiro, a mente que se disciplina está se conformando a um padrão; ela está imitando, restringindo sua própria atividade para ser ou para tornar-se algo; como um soldado se exercitando, ela obedece implicitamente, imediatamente e, assim, não há liberdade. Outrossim, disciplina implica medo. Por favor, se você acompanhar tudo isso com muito, muito cuidado, realmente observando-o, verá que, quando estiver livre do medo, essa liberdade trará consigo sua própria disciplina, a qual não é mera conformação, a qual não tem nada a ver com a disciplina da coação, da aquiescência, da imitação. E, quando falamos de esperar a graça de Deus vir a nós, há uma expectativa no fundo do coração, o que significa que o cérebro já é prisioneiro de certa crença, de certa esperança. Portanto, toda essa disciplina e oração, essa espera de que algo aconteça vindo de fora da atividade da própria mente, tudo isso me parece ilógico, irracional, sem sentido; por isso, ponho tudo isso de lado. Ter fé em Deus, em algo superior, implica que a pessoa ainda não se tornou uma luz para si mesma; e uma mente livre de conflito, de ansiedade, de trabalhos, é uma luz para si mesma. Por conseguinte, já não está buscando.

Portanto, o problema é o seguinte: Há esse “eu”, resultado do tempo, resultado da experiência, do conhecimento. Esse “eu” é uma coisa do passado – o passado que está sempre se movendo até o presente e moldando o futuro, que é tempo psicológico. Com essa entidade prisioneira do tempo, eu tento encontrar algo que não se encontra no campo do tempo nem pode ser entendido em termos de passado. Isso pode ser feito? Você entende a pergunta?

Por favor, não espere de mim uma resposta – você e eu estamos trabalhando juntos. Você não está meramente escutando um monte de palavras e depois tentando pôr em ação o que entender dessas palavras. Estamos juntos fazendo uma viagem.

Primeiro, digo que qualquer forma de esforço para captar o novo ou para mudar o que foi, apenas dá vitalidade ao velho e traz à baila uma contradição. Isso é bem óbvio, não é? Não? Vou continuar e, se você não entender, poderá perguntar-me depois. Como assinalei outro dia, não há esforço na compreensão; não há nenhuma análise porque não há divisão entre observador e coisa observada. Não há tentativa de suprimir a coisa observada nem de modificá-la. Você é essa coisa. Você está acompanhando?

Agora, espere um momento. Há um zumbido nesta tenda. Aquele ventilador elétrico está funcionando, fazendo um barulho. De que modo você o escuta? Se esse ruído estiver irritando você, se ele for uma coisa separada de você, então você está, consciente ou inconscientemente, resistindo a ele porque está tentando escutar. Mas, se esse ruído, o ruído do ventilador, for parte de sua atenção, não há resistência. Você é esse ruído. Com esse mesmo estado mental, você pode olhar para o inteiro processo de sua consciência, com todas as suas contradições, seus desejos, ambições, impulsos, compulsões, preenchimentos. Você é tudo isso. Você não é um observador olhando para algo separado de si mesmo; portanto, não há resistência, nenhum conflito entre você e essa coisa.

Não sei se vocês estão compreendendo o que estou dizendo.

Consideremos o medo, por exemplo. O medo é você, que o está observando; portanto, não é necessário livrar-se do medo. No momento em que tenta livrar-se do medo, você desenvolve a coragem, ou a resistência que é chamada de coragem; há um esforço para ser ou para tornar-se algo e, assim, você é novamente presa do medo.

Portanto, a consciência, que inclui tanto o consciente como o inconsciente, é como um turbilhão que você está observando, mas não como algo separado de você. Você é esse turbilhão. Você é o pensador e o pensamento, o observador e a coisa observada; não há dois estados diferentes. Portanto, todo esforço, toda análise parou; toda a luta para melhorar-se, para mudar, cessou. Você entende o que aconteceu? Você está observando a si mesmo, e não só me escutando. Sua mente, seu cérebro, que foi treinado para condenar, para justificar, para resistir, para fazer esforço, para realizar uma mutação, para criar coragem, e assim por diante; o seu cérebro, que foi condicionado para pensar-se como observador separado da coisa observada, não está mais fazendo esforço para ser nem para fazer alguma coisa. Seu pensamento não está tentando conquistar nem transformar-se em outra coisa. Assim, você eliminou toda a resistência; por conseguinte, não há mais o desejo de preencher-se; logo, não há medo. Estou falando de medo psicológico, e não de medo orgânico. As duas coisas são diferentes, não são? Se eu não permanecer atento, serei atropelado por um carro, cairei num precipício, etc. Por essa razão, preciso ficar atento, muito alerta; é preciso haver certo senso de autoproteção orgânica. Mas estou falando do medo psicológico – dos muitos medos psicológicos que temos desenvolvido. Enquanto houver essa coisa chamada “eu” – com todas as suas trivialidades, aspirações, intuições, com todos os seus impulsos, compulsões, seu desejo de preencher-se – certamente haverá medo e, nesse estado, obviamente, não pode haver amor. Para a maioria de nós, o amor é uma tortura. Somos presas do ciúme, da inveja, do apego, do sofrimento. Temos medo de ser abandonados, de perder alguém, de não sermos amados – vocês sabem o que acontece conosco. É isso que chamamos de amor, mas ele é, inteiramente, parte do medo.

Assim, quando você observa toda essa consciência, não em termos de tempo; quando o pensamento deixa de ser escravo do tempo, deixa de ser uma reação, e há completa quietude de pensamento; então você descobrirá que – porque o cérebro está completamente quieto, não mais tendo experiência – você pode ir para a própria raiz da totalidade da consciência, e só então há real mutação, transformação. Cada atividade é então livre do medo, e, assim, não há necessidade de auto expressão ou preenchimento.

Podemos discutir o assunto do qual falei?

Interrogante: Como surge a divisão entre pensamento e pensador?

Krishnamurti: Você sabe que há essa divisão, não sabe? Você tem consciência dela? E como é que surge? Temos aceitado essa divisão como coisa normal, como inevitável; aceitamo-la tão naturalmente como aceitamos o sol e as nuvens, mas nunca nos perguntamos como ela surge. Há quem diga que primeiro há o pensador, que cria o pensamento, e que vem a seguir a divisão entre eles. Toda uma filosofia é construída sobre isso. Mas você e eu não lemos todos os livros de filosofia que versam sobre este assunto, por isso podemos tentar descobrir por nós mesmos a verdade do assunto. Como surge essa divisão? Por favor, trabalhem comigo. Como é que surge?

Interrogante: Não é a consciência do tempo que cria a divisão?

Krishnamurti: Que quer dizer com consciência do tempo? A memória de ontem, o conhecimento, as experiências que temos acumulado, as coisas que temos conhecido; e aquele cavalheiro sugere ser essa consciência do tempo que cria a divisão entre o pensador e o pensamento.

E por que estamos questionando essa divisão? Porque, enquanto houver divisão entre pensamento e pensador, precisa haver conflito. Por favor, percebam que essa é a raiz do conflito. Vocês entenderam? Enquanto houver divisão entre o observador e a coisa observada, entre o experimentador e a coisa experimentada, precisa haver conflito. E qualquer forma de conflito entorpece a mente, esgota o cérebro; o conflito debilita o cérebro e torna-o insensível. Portanto, para libertar-se do conflito, você tem de entender essa divisão.

Como surge essa divisão? Há alguma divisão se não houver nenhum pensamento? Mas não pensar é extremamente difícil, então não diga: “Isso é fácil, basta a pessoa ficar em branco.” Não estou falando daquele estado idiótico de vazio, nem de tomar uma droga e anestesiar o cérebro. Mas, se não houver pensamento, não há divisão, obviamente. Se você estiver tão completamente insensível, paralisado, que não consiga pensar, então não haverá auto contradição. Portanto, é o pensar que produz essa divisão entre o pensamento e o pensador. E como é que o pensamento produz isso? O ato de pensar é um processo transitório, não é? Ele está todo o tempo mudando, se movendo; ele não é o que era; é um constante fluir, e esse mesmo processo de pensar deseja estabilidade, segurança; ele quer sentir-se a salvo. Pensar é doloroso; cria tantos problemas; e, porque o pensamento não resolve os problemas criados por ele mesmo, esperamos que Deus, ou alguma coisa, nos dê, de algum modo, segurança, paz.

Se estiver acompanhando, você poderá ver por si mesmo que isso obviamente não é uma teoria. Os pensamentos contraditórios, os desejos, as carências contraditórias criam conflito, dor, sofrimento; então a mente diz: “Deve haver alguma coisa segura, permanente – Deus, uma ideia, ou uma parte divina de mim mesmo que seja intocada pelo conflito.” Para o hindu, trata-se do Atma, o Supremo; para o cristão, é outra coisa, e, para o comunista, é também outra coisa. Portanto, o pensar exige segurança, e por isso construímos uma sociedade que está psicologicamente em busca de segurança todo o tempo. O pensamento cria divisão porque exige segurança, permanência; e, tendo criado divisão, o pensamento diz: “De que modo alcançarei essa permanência?” Disso procedem todos os vários sistemas que vocês têm para alcançar esse extraordinário estado de permanência no qual o cérebro jamais será perturbado.

Noutras palavras, o pensamento projeta de si mesmo aquilo que ele chama de permanente – céu, nirvana, Deus, paz, o Estado perfeito. Então, tendo estabelecido o alvo, o ideal, o pensamento tenta conformar-se a ele. Isso é o que todos vocês estão fazendo. Vocês querem paz perfeita, um relacionamento ideal consigo mesmos, com as esposas ou os maridos, com a sociedade, e assim por diante. Vocês têm uma ideia e estão aproximando-se a si mesmos dessa ideia. Portanto, há o “eu” e a coisa separada do “eu”.

Há alguma coisa permanente? Não apenas verbalmente, mas de fato, no fundo do peito, há alguma coisa permanente – permanente no sentido de ser fixa? Há alguma coisa permanente entre você e sua esposa ou marido, entre você e seus filhos? Há permanência em uma ideia? Mas você quer permanência; por conseguinte, quando se questiona a existência da permanência, você se perturba e fica zangado.

Então, observando e compreendendo todo esse processo, a mente não vive buscando permanência, nem no nome, nem nas atividades, nem nos relacionamentos. E, certamente, isso é amor, não é? Se você exige permanência em seu relacionamento consigo mesmo, com o amigo, com a esposa e as crianças, veja o que acontece – as torturas que você sofre, os ciúmes, o sofrimento, a confusão e a tristeza. Não obstante, é isso que chamamos de amor.

Então começamos e ver que o pensamento – que é resposta da memória, resultado do tempo, resultado de muitos milhares de ontens – está constantemente em busca de estabelecer para si mesmo um estado de certeza. Mas a mente que tem certeza jamais poderá ser livre – tampouco o pode a mente que é incerta.

Interrogante: Conscientemente estamos em harmonia, em perfeito acordo com o que o senhor está dizendo, mas, inconscientemente, quando saímos daqui e somos tomados por nossas atividades diárias, agimos bem ao contrário do que escutamos e compreendemos. Por que isso acontece?

Krishnamurti: É bem simples, não é? Como é que você escuta? Você escuta apenas as palavras? O que você ouve é meramente uma declaração com a qual você concorda ou discorda intelectualmente? Ou você escuta com todo o ser, não só conscientemente, mas também inconscientemente? Quando você escuta dessa maneira, não há nem concordância nem discordância. Você vê o próprio fato, e não o fato tal como outra pessoa o apresenta. E você não pode estar em harmonia com um fato. Você está acompanhando? Se você tentar pôr-se em harmonia com um fato, inevitavelmente experimentará conflito. Mas, se você for esse fato, não há conflito; portanto, quando você sai desta tenda, não há contradição entre o que você ouviu e o que você faz. Você ouve e faz – é um processo completo, unitário. Por isso é muito importante que você escute – escute com todo o seu ser, e não apenas intelectualmente ou verbalmente, só com o seu pensamento consciente. Alguma vez escutou alguma coisa com todo o seu ser? Duvido que o tenha feito.

Interrogante: Mesmo que a pessoa escute com todo o ser, pergunto-me se isso basta para afetar o inconsciente.

Krishnamurti: Senhor, quando der sua atenção completa ao que está sendo dito, estará escutando, não só as palavras e seus significados, mas também o inteiro conteúdo por trás das palavras; e o simples fato de dar sua total atenção é um ato no qual a própria natureza da sua ação está mudando. Portanto, quando o senhor sair daqui, haverá uma ação total e não somente uma ação intelectual contradizendo o seu inconsciente.

Agora, você dirá: “Como é que vou escutar com atenção total? Não sei como escutar dessa maneira; realmente não escuto nada; assim, por favor, ensine-me um método, uma maneira, uma forma, um sistema que me ajude a escutar com todo o meu ser.” E o que aconteceria se eu lhe desse um sistema? Sua tentativa de escutar criaria uma contradição com o seu hábito de não escutar e, assim, você seria colhido de novo nas malhas da mesma velha situação.

Senhor, quando de repente lhe sobrevém uma grande tristeza, o que é que o senhor faz? Naquele instante, você está em completo estado de choque, não está? A crise o forçou a ficar em silêncio; você está diante de algo que não entende, e está momentaneamente paralisado, sem palavras. Nesse estado de choque – se você não tentar achar uma saída ou uma explicação – você está olhando, observando, escutando com total atenção. Agora, você pode escutar-se a si mesmo desse mesmo modo? Todo o seu ser está num constante fluir, sempre ativo, nunca imóvel – querendo isso, não querendo aquilo, contradizendo-se, preenchendo-se, num tumulto sem fim. E você pode escutar esse tumulto sem ficar neurótico? Ficar neurótico, ligeiramente fora do rumo, é muito fácil. É o que acontece com a maioria das pessoas. Mas, se você escutar-se a si mesmo sem fugir e sem tentar mudar o que você escuta – apenas escutar o ruído silencioso que está dentro de você – esse ato de escutar produz uma mudança vital na própria natureza da ação, e então não há contradição alguma na ação.

16 de julho de 1963