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13/04/1935 – T

http://www.jkrishnamurti.org/krishnamurti-teachings/view-text.php?tid=94&chid=4454&w

1ª palestra no Rio de Janeiro

Amigos,

Como tem havido tantos equívocos e mal-entendidos nos jornais e revistas ao meu respeito, eu acho que seria oportuno que fizesse uma declaração para esclarecer minha posição. As pessoas geralmente desejam ser salvas pelo outro, ou por algum milagre, ou por ideias filosóficas; eu temo que muitos vieram aqui com esse desejo, esperando que apenas por me ouvir, encontrarão um solução imediata para seus muitos problemas. Nem a solução de seus problemas nem a sua, assim chamada, salvação, pode vir de qualquer pessoa ou qualquer sistema de filosofia. O entendimento da verdade ou da vida recai no próprio discernimento de cada um, na própria perseverança de cada um e na clareza de pensamento. Como a maioria de nós é muito preguiçosa para pensar por si mesma, nós aceitamos cegamente e seguimos pessoas ou nos agarramos a ideias, as quais se tornam nossos meios de escape em tempos de conflito e sofrimento.

Em primeiro lugar, eu quero explicar que não pertenço a qualquer sociedade. Eu não sou um teosofista, nem um missionário teosofista, nem estou aqui para convertê-lo a qualquer crença em particular. Eu não penso ser possível seguir qualquer pessoa, ou aderir a uma certa crença, e ao mesmo tempo ter a capacidade de pensar com clareza. Isto explica porque a maioria dos partidos, sociedades, seitas e corpos religiosos tornam-se meios de exploração.

Tão pouco trago uma filosofia oriental, exortando-o a aceitá-la. Quando eu falo na Índia, dizem que o que expresso é filosofia ocidental, e quando eu venho aos países ocidentais, dizem-me que eu trago um misticismo oriental que é impraticável e inútil no mundo da ação. Mas se você realmente pensar a respeito, o pensamento não tem nacionalidade, nem é limitado por qualquer país, clima, ou pessoas. Logo, por favor, não considere que o que vou dizer é o resultado de algum preconceito racial, idiossincrasia, ou peculiaridade pessoal. O que eu tenho a dizer é real, real no sentido que pode ser aplicado à vida presente do homem – não é uma teoria baseada em algumas crenças e esperanças, mas é praticável e aplicável ao homem.

Agora, o inteiro significado do que eu vou dizer pode ser entendido somente por meio da experimentação e logo por meio da ação. A maioria de nós gosta de discutir questões filosóficas nas quais as ações diárias não tem participação; enquanto, o que eu falo não é uma filosofia ou um sistema de pensamento, e seu significado profundo pode ser entendido somente por meio do experimento, por meio da ação.

O que eu digo não é uma teoria, uma crença para ser meramente discutida, para ser debatida; ele demanda enorme quantidade de raciocínio; e somente na ação, não pela disputa intelectual, você pode descobrir se ele é verdadeiro e prático. Não é um sistema a ser memorizado, nem um conjunto de conclusões que podem se aprendidos e automaticamente executados. Ele precisa ser entendido criticamente. Agora, criticismo é diferente de oposição. Se você é realmente crítico, você não irá meramente se opor, mas tentará descobrir se o que digo tem algum mérito intrínseco nele mesmo. Isto demanda clareza de pensamento de sua parte, para que você possa atravessar a ilusão das palavras, não permitindo que seus preconceitos, quer religiosos ou econômicos, impeçam-no de pensar fundamentalmente. Isto é, você tem que pensar desde o início, simples e diretamente. Todos nós fomos criados com muitos preconceitos e pré-concepções; nós fomos nutridos em tradições decadentes e limitados pelo ambiente, e portanto nosso pensamento é continuamente pervertido e distorcido, o que impede a simplicidade da ação.

Tome, por exemplo, a questão da guerra. Você sabe, tantos discutem o certo e o errado da guerra. Certamente não pode haver dois modos de olhar para essa questão. Guerra, defensiva ou ofensiva é fundamentalmente errada. Agora, para pensar a raiz da questão, a mente necessita estar inteiramente livre da doença do nacionalismo. Nós somos impedidos de pensar fundamentalmente, diretamente, simplesmente, por causa dos preconceitos que têm sido explorados através dos tempos sob o disfarce de patriotismo com seus absurdos. Então, nós criamos através dos séculos muitos hábitos, tradições, preconceitos, que impedem o indivíduo de pensar completamente, fundamentalmente sobre questões humanas vitais.

Agora, para entender os vários problemas da vida com suas variedades de sofrimento, nós devemos descobrir por nós mesmos os motivos e as causas fundamentais e seus resultados e efeitos. A menos que estejamos inteiramente conscientes de nossas ações, suas causas e efeitos, nós exploraremos e seremos explorados, nós tornar-nos-emos escravos dos sistemas, e nossas ações serão meramente mecânicas e automáticas. Até que possamos conscientemente libertar nossas ações dos seus efeitos limitantes, por meio do entendimento do significado de suas causas, a menos que nós conscientemente libertemo-nos das antigas formas de pensamento que construímos sobre nós mesmos, não seremos capazes de atravessar as inumeráveis ilusões que criamos em nossa volta e nas quais estamos enredados.

Cada um tem que se perguntar o que está procurando, ou se ele está meramente sendo guiado pelas circunstâncias e condições, e é portanto irresponsável, descuidado. Aqueles de vocês que estão realmente descontentes, críticos, devem ter perguntado a si mesmo o que é que cada indivíduo está procurando. Você está procurando conforto, segurança, ou o entendimento da vida? Muitos irão dizer que estão procurando a verdade, mas se eles fossem analisar seus desejos, suas buscas, veriam que eles estão realmente procurando por conforto, segurança, um escape do conflito e sofrimento.

Agora, se você está procurando conforto, segurança, ela deve necessariamente basear-se em aquisição e então em exploração e crueldade. Se você diz que está procurando a verdade, você tornar-se-á um prisioneiro da ilusão, pois a verdade não pode ser buscada, investigada; ela deve acontecer. Isto é, seu êxtase é para ser conhecido apenas quando a mente estiver completamente despojada de todas as ilusões que ela criou na procura por sua própria segurança e conforto. Então somente lá, ocorrerá o despontar do que é a verdade. Para colocar isso de modo diferente, nós temos que nos perguntar no que se baseia nossa vida, pensamento e ação. Se nós pudermos responder isso completamente, verdadeiramente, então nós podemos descobrir por nós mesmos quem é o criador de ilusões, dessas supostas realidades que nos tornamos prisioneiros.

Se você realmente pensar sobre isto, você verá que toda sua vida está baseada na busca da seguridade, segurança e conforto individual. Nessa procura por segurança, naturalmente há o nascimento do medo. Quando se procura conforto, quando a mente está tentando fugir da luta, do conflito, do sofrimento, ela precisa criar vários caminhos de escape, e estes caminhos de escape tornam-se nossas ilusões. Logo, o medo, que é o resultado de nossa busca individual por segurança, é o alimentador de ilusões. Isto dirige você de um secto religioso para outro, de uma filosofia para outra, de um mestre para outro, para procurar aquela segurança, aquele conforto. Isto você chama, a procura pela verdade, pela felicidade.

Agora, não há segurança, não há conforto, mas somente clareza de pensamento, a qual traz o entendimento da causa fundamental do sofrimento, o qual sozinho libertará o homem. Nessa libertação encontra-se a bem-aventurança do presente. Eu digo que há uma realidade eterna que pode ser descoberta somente quando a mente está livre de toda ilusão. Logo cuidado com a pessoa que lhe oferece conforto, porque nisto haverá necessariamente exploração; ele cria uma armadilha na qual você será apanhado como um peixe numa rede.

Na busca por conforto, segurança, a vida foi dividida em religiosa ou espiritual e econômica ou material. A segurança material é pensada por meio de posses, as quais dão poder e por meio desse poder você espera atingir a felicidade. Para atingir esta segurança material, poder, necessariamente há exploração, exploração de seu próximo por um sistema deliberadamente construído e que tornou-se hediondo em suas muitas crueldades. Esta busca pela segurança individual, na qual está também incluída a própria família, criou distinções de classe, ódios raciais, nacionalismo, terminando finalmente em guerras. E curiosamente, se você considerar isto, a religião que deveria denunciar a guerra, ajuda sua promoção. Os sacerdotes que supostamente seriam educadores de pessoas, encorajam todas as inanidades que o nacionalismo cria que cega as pessoas em momentos de ódios nacionais. E você cria o sistema, baseado em segurança e conforto individual que você chama de religião. Criou-se as organizações religiosas que são meramente formas cristalizadas do pensamento e que asseguram a imortalidade pessoal. Eu abordarei essa questão da imortalidade em uma das minhas palestras posteriores.

Portanto, por meio da busca pela segurança individual, por meio da demanda pela continuidade individual, criou-se um religião que o explora por meio da arte do sacerdócio, por meio de cerimônias, por meio dos assim chamados, ideais. O sistema que você chama religião e que foi criado por sua própria demanda de segurança tornou-se tão poderoso, tão realista, que muitos poucos livram-se de seu peso esmagador de tradição e autoridade. O início do verdadeiro criticismo assenta-se em questionar os valores que a religião definiu sobre nós.

Agora, nessa moldura cada um está seguro; e enquanto se é escravo de valores e do ambiente inexplorado e incontestado, ambos passado e presente, vão perverter a completude da ação. Esta perversão é a causa do conflito entre o indivíduo, que está procurando segurança, e os muitos, entre o indivíduo e o movimento contínuo da experiência. Como indivíduos nós criamos este sistema de exploração e limitação esmagadora, nós temos que individualmente e conscientemente pô-la abaixo, pelo entendimento da base de sua estrutura e não por meramente, criar novos conjuntos de valores, que serão somente outra série de fugas. Só então nós começaremos a penetrar no verdadeiro significado do viver.

Eu mantenho que existe uma realidade, dê a ela o nome que quiser, que pode ser entendida ou vivida somente quando a mente e o coração atravessarem as ilusões e ficarem livres dos seus falsos valores. Somente então, haverá o eterno.

13 de abril de 1935