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06/07/1935 – T

http://www.jkrishnamurti.org/krishnamurti-teachings/view-text.php?tid=104&chid=4464&w=Conversation%20104%2C%20Montevideo%2C%20Uruguay%2C%20

Palestra na Universidade, Montevideo

Amigos,

Para provocar uma ação de massa deve haver um despertar individual; de outro modo, a massa se torna meramente um instrumento nas mãos dos poucos com o propósito de exploração. Assim, ou você se deixa explorar, ou começa a despertar a verdadeira inteligência, que é viver completamente, totalmente, sem exploração.

Ora, o que é isto que despertará o indivíduo de suas acumulações egoístas e da satisfação própria? O processo contínuo de despertar a mente de sua própria limitação é verdadeira experiência. Quando há esta ação de experiência numa mente limitada, o despertar é chamado sofrimento. Para a maioria de nós, o desejo de se prender em certezas, seguranças, a hábitos de pensamento, tradições, é tão grande que qualquer coisa que surja para nos abalar nessa rotina de segurança, a partir desses valores estabelecidos, criando assim insegurança, chamamos de sofrimento. Quando há sofrimento, há um intenso desejo de escapar dele, e, assim, a mente cria mais valores ilusórios que são satisfatórios e consolam. Estes valores são estabelecidos através de reação defensiva contra a inteligência. O que chamamos valores, moralidades, são realmente reações de autodefesa contra o movimento da vida. A mente se tornou inconscientemente escrava destes valores. Temos ideais, valores, tradições, sob as quais buscamos constantemente abrigo quando há sofrimento e conflito. Inteligência, que é a percepção do falso e que é despertada pelo sofrimento, é novamente adormecida ao estabelecermos outro conjunto de valores que nos darão conforto ilusório. Assim, saímos de uma ilusão para outra. Haverá constante conflito e sofrimento até a mente estar livre de todas as ilusões, até haver inteligência criativa.

Pergunta: É uma das funções do professor mostrar às crianças que a guerra sob todas as formas é inerentemente errada?

Krishnamurti: O que aconteceria com um professor que realmente ensinasse toda a significação e estupidez da guerra? Ele logo não teria mais emprego. Assim, sabendo disso, ele começa a se ajustar. (Risos) Vocês todos riem, dizem que é perfeitamente verdadeiro, mas vocês são as próprias pessoas que estão mantendo todo este sistema de pensamento. Se vocês realmente, humanamente sentissem o horror e a crueldade da guerra, como indivíduos não contribuiriam para todos os passos que levam ao nacionalismo e, finalmente, à guerra. Afinal, a guerra é simplesmente o resultado de um sistema baseado na exploração, na aquisição. Esperamos que por algum milagre todo este sistema mude. Não queremos agir individualmente, voluntariamente, livremente, mas esperamos que seja criado um sistema pelos outros no qual, individualmente, não teremos responsabilidade. Se isso acontecer, nós simplesmente nos tornaremos escravos de outro sistema.

Se um professor realmente sente que não deve ensinar a guerra, porque compreende a total significação dela, então ele agirá. Um homem que profunda e inteligentemente sente a crueldade de uma coisa em si agirá e não considera o que acontecerá com ele. (Aplauso)

Pergunta: Qual seria o real propósito da educação?

Krishnamurti: Se você pensa que o homem não é mais do que uma máquina, barro para ser modelado, ser moldado segundo um padrão particular, então você deve ter implacável compulsão, rigorosa disciplina porque assim não vai querer despertar a inteligência individual, o pensar criativo, mas simplesmente quer que o indivíduo seja condicionado em um sistema particular. É isso que vem acontecendo mundo afora, em alguns casos sutilmente, em outros de forma grosseira. Você vê a compulsão em várias formas sendo exercida sobre os seres humanos, e, gradualmente, destruindo sua inteligência, sua realização.

Muitos de vocês que têm inclinação religiosa, e falam sobre Deus e imortalidade, não creem fundamentalmente na realização individual, porque na própria estrutura do pensamento religioso, através do medo, você permite a compulsão e a imposição. Ou deve haver a realização individual, ou a completa mecanização do homem; não pode haver ajustamento entre os dois. Você não pode dizer que o homem deve se adequar a um padrão, deve ceder, seguir, obedecer, ter autoridade, e ao mesmo tempo pensar que ele é uma entidade espiritual.

Uma vez que você começa a compreender o profundo significado da vida humana, então haverá verdadeira educação. Mas para compreender isto, a mente deve libertar-se da autoridade e tradição discernindo seu verdadeiro significado. As questões superficiais a respeito disto serão respondidas quando você mergulhar profundamente em todas as sutilezas da autoridade. Deve haver inevitavelmente uma forma sutil ou grosseira de compulsão quando a mente está buscando segurança, abrigo. Assim, a mente que se libertaria da compulsão não deve buscar a limitação da segurança, da certeza. Para compreender o profundo significado da autoridade e da compulsão, você precisa de pensamento muito delicado e cuidadoso.

Pergunta: Você nega a autoridade, mas não está também criando autoridade com tudo que tem a dizer ou ensinar ao mundo, mesmo se você insiste que a pessoa não deve reconhecer nenhuma autoridade? Como você pode impedir que as pessoas o sigam como autoridade delas? Você pode evitar isto?

Krishnamurti: Se um homem deseja obedecer e seguir alguém, ninguém pode impedi-lo, mas isto é muito tolo, levando a muita infelicidade e frustração. Se aqueles de vocês que estão me ouvindo realmente começarem a pensar profundamente sobre autoridade, vocês não seguirão ninguém, incluindo a mim mesmo. Mas como eu disse, é muito mais fácil seguir e imitar do que realmente libertar o pensamento da limitação do medo e, assim, da compulsão e da autoridade. O primeiro significa um fácil abrir mão de si mesmo pelo outro havendo sempre a ideia de conseguir algo em troca, ao passo que no outro há absoluta insegurança; e como as pessoas preferem a ilusão do conforto, segurança, elas seguem a autoridade com sua frustração. Mas se a mente compreende a natureza ilusória do conforto ou segurança, nasce a inteligência, o novo, a vida essencial.

Pergunta: Uma pessoa que tem inclinação religiosa, mas que tem o poder de pensar profundamente pode perder sua fé depois de ouvi-lo. Mas se o medo dela continua que vantagem isso terá para ela?

Krishnamurti: O que cria fé no homem? Fundamentalmente, medo. Você diz, “Se eu me livro da fé, então ficarei com o medo, e então não ganhei nada”. Então você prefere viver numa ilusão, prendendo-se a suas fantasias. A fim de escapar do medo, você cria a fé. Ora, quando através de profundo pensamento você dissolve a fé, então você está frente a frente com o medo. Só então você pode resolver a causa do medo. Quando todas as rotas de fuga foram completamente compreendidas e destruídas, então você está frente a frente com a origem do medo; só então pode a mente se libertar da garra do medo.

Quando existe medo, então religiões e autoridades, que você criou em sua busca por segurança, lhe oferecem o ópio que você chama de fé, ou o amor de Deus. Assim você simplesmente encobre o medo, que se expressa de formas ocultas e sutis. Então você continua rejeitando antigas crenças e aceitando novas, mas o verdadeiro veneno, a origem do medo, nunca é dissolvido. Enquanto houver essa consciência limitada, o “eu”, haverá medo. Até a mente se libertar desta consciência limitada, o medo permanecerá de uma forma ou de outra.

Pergunta: Você pensa que é possível resolver problemas sociais transformando o estado em uma máquina toda poderosa em todo o campo de empenho humano, tendo um homem poder supremo sobre o estado e a nação? Em outras palavras, tem o fascismo alguma utilidade nisto? Ou antes, é para ser combatido, como a guerra deve ser, como um inimigo do mais elevado bem estar do homem?

Krishnamurti: Se em qualquer organização existem distinções de classe ou hierárquicas baseadas na ganância, então tal organização será um impedimento para o homem. Como pode haver o bem estar do homem se sua atitude em relação à vida é nacionalista, baseada em classes, ou gananciosa? Por causa disto, as pessoas estão divididas em nações dirigidas por governos soberanos que criam guerras. Como possessividade e nacionalismo dividem, também as religiões com suas crenças e dogmas separam as pessoas. Então, enquanto isto existir, haverá divisões, guerras, disputas e conflitos.

Para compreender qualquer destes problemas, temos que pensar de forma nova, o que exige grande sofrimento; e como muito poucos estão querendo passar por isso, aceitamos partidos políticos, com seus jargões, e pensamos que assim estamos resolvendo os problemas fundamentais.

6 de julho de 1935.