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10/05/1935 – T

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4ª Palestra no Rio de Janeiro

Amigos;

Cada um está tentando encontrar felicidade, verdade ou Deus, dando ao objeto de sua busca um nome diferente, de acordo com suas capacidades intelectuais, criação religiosa e ambiente. Você veio aqui esperando descobrir uma certeza em torno da qual você possa construir toda sua vida e ação.

Agora, por que você está procurando a certeza definitiva? Essa realidade que você espera que lhe dará felicidade, explica a crueldade e o sofrimento do homem? Qual é a causa de sua busca? Fundamentalmente, a razão para essa busca – a razão humana, não alguma razão intelectual – é que como há tanto sofrimento em você e a sua volta, você quer escapar do presente para alguma utopia idealística do futuro, para um sistema intelectual de pensamento, ou para uma autoridade de fé e segurança. Um homem que está profundamente no amor não está a procura de amor ou felicidade, mas o homem que não está no amor, que não é feliz, que está sofrendo, procura o oposto do qual ele está preso. Encontrando-se a si mesmo em miséria, em grande vazio, desespero, você começa a procurar uma forma de fuga, um escape. Este escape é chamado de a procura pela realidade, verdade ou por qualquer outro nome que você queira dar a ele.

A maioria das pessoas que diz que está procurando felicidade está realmente tentando escapar, tentando fugir do conflito, da miséria, do nada, nos quais elas estão presas. Estando incerta de amor, de pensamento, a busca total da pessoa direciona-se para certezas e satisfações, pois amor e pensamento estão constantemente procurando certezas nas quais podem se ancorar. Estas são chamadas realidades, felicidade e investigação sobre imortalidade. Você quer assegurar-se que há algo duradouro, algo mais do que esta confusão e miséria.

Se você realmente considerar – e por favor, não ouça meramente intelectualmente o que estou dizendo – se você realmente considerar sua própria investigação e examiná-la, então você verá que você está tentando escapar dessa confusão e miséria para o que você imagina ser uma realidade, uma felicidade. Você quer uma droga, um narcótico que o satisfará, que o colocará para dormir em paz. A única realidade, a única realidade que podemos compreender totalmente é esta confusão, esta miséria, este conflito – e escapar dele não é mais nada a não ser criar ilusão. Se você escapa da realidade, você somente vai para ilusões, para esperanças, para nostalgias, que não tem realidade. Assim a fuga da realidade deve inevitavelmente levar a ilusão, ainda que esta ilusão possa ter assumido uma realidade por meio do tempo e tradição.

Agora, por favor, não diga, “Não há nada além da confusão, nada além da miséria?” Eu quero explicar como nossas mentes agem, como nossas reações são; e  entendendo propriamente e por completo isto, podemos então proceder com cuidado para algo que pode ser entendido somente pela realidade, não por ilusões. Por favor, deixe-me repetir que a procura por felicidade, verdade ou realidade nasce do desejo de escapar da prisão do sofrimento, e é portanto fundamentalmente falsa; a menos que você discirna isto claramente, entenda isto completamente, o que eu direi em seguida em minha fala não será completamente entendida. Logo irei a ela minuciosamente.

Quando sofremos pela perda de alguém que amamos, ou há em nossas vidas o vazio ou a insatisfação ou o desespero da absoluta incerteza, nós começamos a criar o oposto e perseguir essa imagem, esperando que ela nos guiará para a paz, realização, completude. Logo nós somos arrastados, conscientemente ou inconscientemente, sutilmente ou grosseiramente, para longe e cada vez mais longe da realidade, do sofrimento do presente.

Suponha que você perdeu alguém por morte. Você sofre e você começa a perguntar sobre o pós-vida, se isto é um fato ou não. Então você começa a investigar a teoria da reencarnação. O que você está realmente fazendo? Você está tentando escapar do sofrimento. Tais explicações e os assim chamados fatos, meramente agem como drogas para entorpecer a agudeza do sofrimento. Quando há o desejo de escapar, haverá a criação de ilusão. Como nós sofremos constantemente, nós criamos inumeráveis ilusões, e nossa presente busca por realidade não é nada, mas a busca por uma ilusão ainda maior e grandiosa.

Se você entender isto completamente, então você perceberá a completa futilidade da busca por felicidade, por certeza, pela verdade, ou como você quiser chamar. Você não estará mais preocupado com a medida do imensurável. De uma vez por todas, a mente deve livrar-se deste desejo de escapar, e somente então estar-se-á preparado para descobrir a causa fundamental do sofrimento, pois o sofrimento é a principal realidade com a qual cada um de nós está familiarizada.

Agora, para entender fundamentalmente a causa do sofrimento, a mente precisa estar livre de ideais, porque ideais não são mais nada do que formas de escape da realidade. Quando a mente tornar-se cônscia dela mesma, ela perceberá que simplesmente imita padrões, segue objetivos, crenças, ideais que ela tem estabelecido para ela mesma como um meio de fugir da confusão. A mente então sobrepõe aquelas crenças e ideais sobre a confusão e o sofrimento. Em outras palavras, ideais são meramente ilusões que lhe dão esperança e encorajamento para evitar o presente. Caso você não tenha entendido completamente isto, eu darei um exemplo.

Existe um ideal de fraternidade e de amor ao próximo. Agora, o que está acontecendo na realidade? Existem guerras, nacionalidades, divisões de classes, homem contra homem, explorações, o agrupamento de homens em religiões que o separam por dogmas. Na realidade, isto é o que está acontecendo. Logo qual é a vantagem do seu ideal? Você dirá, “Nós iremos atingir aquele ideal eventualmente.” Mas qual é o valor dele no presente? Por que você quer ideais quando você sabe definitivamente que não pode haver fraternidade enquanto houver distinções criadas pelo religião, ganância e exploração na qual você está vivendo? Seus ideais são somente soporíferos sentimentais para pessoas que não querem agir no presente. Por outro lado, se você não tem absolutamente ideais, mas vê a realidade da confusão e crueldade, sem estar cegado por esperanças que se tornaram ideais, então em se resolvendo estes problemas haveria naturalmente fraternidade, haveria uma unidade verdadeira entre todos os homens. Portanto, ideais dão a você na verdade, a oportunidade de não enfrentar a presente corrupção e exploração, na qual você está tomando parte. A maioria das mentes está buscando a autoridade das crenças e ideais, porque elas não querem compreender o presente; e esta é uma das principais razões porque elas nunca encontrarão e portanto, nunca dissiparão por elas mesmas a causa do sofrimento.

Agora, nós construímos ao longo dos séculos um ambiente de ilusões tais como autoridade, imitação, crenças, ideais, as quais nos dão a oportunidade de fugas sutis. As pessoas sofrem no interior desta prisão de limitação e tentam encontrar soluções para seus sofrimentos dentro dela, dentro das ilusões que elas construíram ao redor delas mesmos. Mas existem outros que verdadeiramente discernem a natureza ilusória dessa estrutura, e porque eles sofrem muito mais intensamente e inteligentemente e não estão desejando escapar para o futuro, nesta própria agudeza do sofrimento eles descobrem a verdadeira libertação do sofrimento.

Logo você tem que perguntar a si mesmo se você está procurando uma solução para seu sofrimento dentro do círculo da ilusão, dentro do ambiente de séculos, e portanto criando mais ilusões, e afundando-se ainda mais nessa prisão – ou se você está procurando atravessar as muitas ilusões que você construiu sobre si mesmo ao longo dos séculos. Pois no processo de discernimento, a causa do sofrimento é conhecida e dissolvida. É somente então, e não antes disso, que a mente é capaz de discernir a verdade. A própria busca pela realidade é uma ilusão, porque nada mais é do que um escape. Quando todos os escapes e ilusões forem removidos pelo entendimento, somente então a mente pode perceber o que é duradouro, o imensurável.

Pergunta: O que você pensa da caridade e da filantropia social?

Krishnamurti: Filantropia social é devolver à vítima um pouco daquilo que o filantropo impiedosamente tirou dela. Você primeiro explora-o, o faz trabalhar inúmeras horas e todo o resto, e acumula uma grande fortuna por meio de artimanhas, trapaças, e então volta-se magnanimamente e dá um pouco para a pobre vítima. (Risos) Eu não sei por que você está rindo, porque você está fazendo a mesma coisa, somente diferentemente. Você pode não ser trapaceiro, astuto, impiedoso o suficiente para acumular riquezas e tornar-se um filantropo, mas você está espiritualmente, idealisticamente acumulando o que você chama de conhecimento para proteger a si mesmo.

Caridade é inconsciente de si mesma, não há primeiro acumulação e depois distribuição. É como a flor – natural, aberta, espontânea.

Pergunta: Os 10 mandamentos deveriam ser destruídos?

Krishnamurti: Eles já não estão destruídos? Eles existem agora? Talvez no livro de rezas, petrificado, para serem adorados como ideais, mas na realidade eles não existem. Por muitos séculos o homem tem sido guiado pelo medo, forçado, compelido a agir de acordo com certos padrões; mas a mais alta forma de moralidade é fazer algo por sua própria vontade, não por um motivo ou por uma recompensa. Agora, ao invés de sermos coagidos a seguir um padrão, nós temos que descobrir por nós mesmos como agir verdadeiramente; isso demanda inteligência, um ajustamento contínuo, não o seguir de uma lei ou sistema, mas uma intensa atenção, discernimento no momento da ação em si. E isto somente pode acontecer quando a mente libertar-se com entendimento do medo e das compulsões.

Pergunta: Deus existe?

Krishnamurti: Eu me pergunto que valor teria se eu dissesse sim ou não. Negar ou afirmar não revelaria a realidade. Tem-se que descobrir por si mesmo, portanto você não pode aceitar ou negar. Se eu dissesse sim, o que aconteceria? Seria outra crença para ser adicionada ao seu museu de crenças. Se eu disser não, isto também pertenceria a um museu, de outro tipo. De uma forma ou de outra, não é de importância para você. Se eu dissesse sim, eu me tornaria uma autoridade, e você poderia talvez moldar sua vida sobre esse padrão; se eu disser não, isso também fixaria um padrão. Você não pode abordar esse problema – se existe Deus ou não – com qualquer preconceito tanto a favor como contra. O que você pode fazer é preparar o solo da mente e ver o que acontece, isto é, deixe a mente libertar-se de todas as ilusões, de todos os medos, preconceitos, e saudades, e ficar sem qualquer expectativa, qualquer que seja; então esta mente pode discernir se existe Deus ou não. Tem-se uma mente especulativa, e por diversão tenta-se resolver esta questão; mas essa mente não pode encontrar a resposta verdadeira. Tudo que você pode fazer é transpor a falsidade, as ilusões que você criou sobre você mesmo. E isto demanda, não uma investigação sobre a existência de Deus, mas a ação da completude, de todo seu ser, no presente.

Pergunta: Os sacerdotes não necessários para liderar o ignorante para a honradez?

Krishnamurti: Certamente não. Mas quem é o ignorante? Esta questão somente pode ser colocada para cada um de vocês e não para uma massa vaga chamada de ignorante. A massa é você. Você precisa de sacerdotes? Quem diz quem são os ignorantes? Ninguém. Logo sendo ignorante você precisa de um sacerdote, e pode alguma vez um sacerdote guiá-lo para sair da ignorância para a honradez? Se você meramente considerar que um homem ignorante, que supostamente existe em algum lugar, a quem você não conhece, precisa de um sacerdote, então você perpetua a exploração e todos os artifícios da religião. Ninguém pode guiar você para a honradez exceto você mesmo, por meio de seu próprio entendimento, por meio de seu próprio sofrimento.

Pergunta: É possível alcançar a perfeição entre o imperfeito?

Krishnamurti: Onde mais você pode atingir a perfeição, onde mais você pode entender a perfeição, exceto entre o imperfeito? Porém toda essa ideia de ganhar a perfeição é tão fundamentalmente errada. Por favor, você tem que pensar sobre isso cuidadosamente. Quando você fala de perfeição, você quer dizer atingir um fim, uma certeza, um poder que possa lhe dar segurança, a partir do qual nunca mais nascerá conflito, sofrimento. Perfeição não é um fim, um ponto absoluto, fixo, mas um tornar-se contínuo. Quando a mente está livre dos opostos, então existe um movimento contínuo, um fluxo contínuo de realidade. Perfeição é a ação, o fluxo contínuo de realidade, não um objetivo absoluto ao qual você progride por meio de experiências inumeráveis, memórias, lições, sofrimento. Para entender este fluxo de vida, a mente precisa estar inteiramente livre das conclusões, das certezas, que são nada mais que o resultado do desejo por autoproteção.

Se você considerar o que eu disse esta noite, você discernirá a clausura que nós criamos ao longo dos séculos, na qual tornamo-nos prisioneiros, destruindo nossa inteligência criativa. Se a mente puder começar a quebrar as paredes dessa prisão, por meio da compreensão, então haverá ação sem sofrimento, normal e verdadeira.

Pergunta: Não é o egotismo a raiz da exploração econômica e religiosa?

Krishnamurti: Senhor, isto é óbvio. É o egotismo que criou as celas da religião; é o egotismo que cria a exploração das pessoas. O interrogante sabe isso, mas o que ele faz a respeito? Nós sabemos que há uma exploração impiedosa pelo astuto e ardiloso, que existe pobreza entre a riqueza, mas o interrogante perguntou a si mesmo se ele também não está tomando parte nessa batalha gananciosa estúpida e cruel? Se ele realmente sentir a crueldade aterradora de tudo isso e agir inteligentemente, ele seria como uma flama, consumindo as burrices a sua volta.

10 de maio de 1935.